Wednesday, June 04, 2008

a normal tempo...

Em condições normais, o cérebro humano é dotado de uma resolução temporal confortávelmente abaixo de 1 s.

A resolução temporal do cérebro é o intervalo de tempo mais pequeno que o o cérebro consegue distinguir.

Claro que este é um problema complexo, por isso escolho um limite superior como estimativa grosseira, mas confortável para o que me ocupa nos próximos minutos. De facto, em determinadas condições a resolução temporal do cérebro é mais da ordem do milisegundo, dependendo do estado de alerta do organismo (sobre isto, uma experiência interessante). Mas fixemos o meio segundo como um valor razoável para a resolução temporal consciente.

Isto abre-nos auspiciosas possibilidades! O tempo que temos, não o podemos dilatar (ainda... mas isso fica para outra altura...), mas podemos tornar cada segundo útil, pelo que vimos até cada milisegundo, simplesmente tomando consciência da precisão do(s) nosso(s) relógio(s) biológico(s). Não sugiro que nos tornemos em escravos do relógio como o Phileas Fogg, apenas que tomemos consciência do tempo que temos entre mãos.

Existem desordens neurológicas capazes de nos separar da realidade social quer por tornar a nossa resolução temporal muito grande, quer muito baixa. No entanto, existem pessoas perfeitamente normais (sem querer ser depreciativo) que simplesmente se auto-limitam, apesar de não terem as funções neurológicas comprometidas.
Tomemos como exemplo o português médio. Apesar de, tanto quanto a ciência médica é capaz de aferir, não ter qualquer tipo de limitação neurológica, parece ser perfeitamente incapaz de alcançar uma resolução temporal menor do que 5 minutos, pelo menos no que diz respeito à separação de actividades. Sendo assim, se determinada tarefa exige para a sua realização 14 minutos, automaticamente é feito um arredondamento para 15 minutos, como se o intervalo original não tivesse qualquer significado físico. Mais interessante ainda, caso o tempo exigido pela tarefa seja 11 minutos, o intervalo de tempo assimilado conscientemente será... 15 minutos. Portanto, para todos os efeitos práticos,

1 min = 4 min

ou seja, são indistinguíveis, seja por limitação auto-imposta ou outra.

Será isto decorrente de uma preguiça crónica, uma tentativa de maximizar o tempo de sornice? Hipótese interessante, mas o facto é que tal percepção do tempo distorcida também se verifica em actividades de lazer. Sendo assim, raciocínios circulares aparte, a hipótese não faz sentido.

Quando se fala de marcar compromissos, tudo fica mais emaranhado. Digamos que algum compromisso é marcado para as 14:33. Tal iniciativa é vista imediata e intuitivamente como uma piada, sendo imediatamente assumido que o que o proponente realmente queria dizer (se não se tivesse a armar em engraçadinho) era 14:35, ou, segundo alguns sujeitos, mesmo 14:40. Sendo a unidade de tempo assumida 5 mins (a resolução temporal efectiva), é perfeitamente corrente proceder a um pequeno atraso de 3, 4 ou 5 unidades de tempo. 15:00. A aparente total falta de consideração para quem possa estar à espera sugere, numa perspectiva 'Charlie Browniana', que a resolução temporal está mesmo comprometida, a julgar pela naturalidade com que tais atitudes são assumidas repetida e regularmente.

Curiosamente, existe um subgrupo para o qual estes efeitos assumem proporções proféticas. Os portugueses adventistas.

Pessoalmente, admito que já aprendi a conviver com estas anomalias temporais. Não me chateio, mas recuso-me a reduzir-me à conformidade. Vou continuar a chegar às 14:33 ao compromisso, e a fazer a tarefa em 11 minutos. Claro que isto significa que permito que outros malgastem sistemáticamente o meu tempo. Mas continuo a ter esperança que algum(a) repare nisso e em si próprio(a).

3 comments:

inha said...

É incrivel como o cerebro humano, caminha para a "preguiça aguda" se o deixarmos.. Prometo não volta a chegar atrasada, alias é uma das coisas que ando a tentar fazer!
A seguir sao as dividas! eheh =P

Só agora consegui ler isto, tinha aqui aberto, hoje aproveitei bem o meu tempo! E digo-te que esta tua linha de pensamento me deixou a pensar, VERDADEIRAMENTE! :)

Depois tens de explicar aquela parte de "dilatar o tempo".. Acho que vai ser como viajar no tempo! =P

Irina Jeanette said...

É de loucos e não é nada a que se deva prestar tributo. Vejam porque se espera tanto para um cirurgia ou mesmo para uma consulta. Ai Ai pobres mortais que se consideram...os imortais...num Universo não limitado por tempos e tempos.Eu cá não gosto de esperar, nem de fazer esperar...mas confesso tenho ainda muito para melhorar porque afinal não passo de mais um comum mortal :) Parabéns pela análise e por esta oportunidade de reflexão...foi a loucura total- o meu tributo!

MissGarfield said...

Ressuscitei para a blogosfera e andava a passear pelos blogs da minha lista e dei de caras com esta pérola de post!

A percepção de tempo para os portugueses adventistas é a mesma de crianças de oito anos que quando os pais dizem "vamos sair daqui a dois minutos!" se viram um para o outro e dizem "vamos jogar monopólio?"
As mesmas crianças que exclamam indignadas "AINDA faltam oito dias para o Natal?? Tanto tempo!?"